quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O QUE É A TAL "POLÍCIA COMUNITÁRIA"?

(*Texto adaptado)
Era uma vez... um Graduado..., que comandava uma Fração Policial Militar em um local totalmente isolado nos cantões do Brasil. Para chegar naquela comunidade era necessário viajar uma eternidade em um ônibus, para depois, concluir o trajeto no lombo de um cavalo, pois veículos não transitavam por lá.


Em razão disso, pouco se ouvia de rádio. Televisão era rara na cidade e jornal nunca chegava.

Esse graduado levava uma vida sossegada; cumpria suas obrigações sempre com responsabilidade e zelo. Suas decisões eram sempre baseadas nas circunstâncias e costumes do lugar; portanto, todos o respeitavam. Era um ídolo para comunidade.

A cela do destacamento, sempre vazia, era utilizada para depósito de papéis e acomodar a mobília de sua filha que brevemente se casaria com um rapaz de uma família nobre da cidade.

Até que certo dia...

Apareceu na cidade um Policial Militar, recentemente formado na Escola de Formação, ainda orgulhoso do 1.º lugar conseguido. Apresentou-se ao Sr. Graduado com toda a “vibração” que é própria de quase todo “calouro”.

Depois de alguns dias, notando a maneira tranqüila e “diferente” de tratar as coisas do lugar, este recém formado virou-se para seu Comandante e disse:

- Sr Graduado, como único assessor do Comando neste lugar, sou obrigado a dizer que o senhor não está observando as Leis para tratar com o povo.

Continua o recém formado:

- Existem Leis que definem nossa esfera de atribuições e procedimentos que têm de ser respeitados tanto para se liberar um preso, quanto para trancá-lo na cela.

O Sr. Graduado parou e pensou...

“Se ele conseguiu ser o primeiro lugar de sua turma e veio recentemente do Batalhão, então ele deve estar certo”.

A partir deste dia o Sr. Graduado mudou completamente seu comportamento e passou a seguir à risca as Leis, Medidas Provisórias e Portarias.

A cela de sua pequena Fração PM começou a ficar superlotada. Os presos se amotinavam por falta de estrutura e espaço. Faltava água, luz e comida. Alguns fugiam.

A população começou a se alarmar com as atitudes do Graduado que cada vez era mais agressivo, pois sempre encontrava a resistência da população que às vezes não entendia o que lhe era exigido.

Ela não conhecia as Leis, portanto não sabia o que era ou o que não era permitido. Insensível às reclamações do Prefeito, e às do Delegado “Especial”, nomeado pelo município, o Sr. Graduado continuava a seguir, fielmente, os ditames da Lei.

Conflitos começaram a surgir em todas as patrulhas, que sempre eram executadas por ele e pelo já mencionado recém formado. Não foram raras as vezes que tiveram que usar a força física para subjugar os populares que “não aceitavam” sequer serem submetidos a uma busca pessoal quando na oportunidade, o recém formado passava as mãos nas partes pudicas do cidadão abordado.

“ - Me submeter àquela posição ‘vexamosa’ de abrir as pernas, colocar a mão na parede e levantar o traseiro para que um homem passe a mão em mim?!?! Nem se o capeta mandar”!!! Afirmou certa vez o dono da única pensão do lugar.

Inconformado com a reviravolta na tranqüilidade de “sua” cidade, o Sr.Graduado resolveu ir até a sede do Pelotão e comentar o caso com Cmt do Pel que por sua vez passou a “batata-quente” para o Cmt da Cia.

Depois de “tomar pé” da situação, o Cmt. da Cia disse:

- Isso é um absurdo!!! Onde está nossa autoridade?! Vamos convocar todo o nosso efetivo e vamos dar uma geral na cidade. Ninguém vai escapar!!! Eles vão ver quem é que manda!!!

Organizando uma blitz com 20 homens, o Cmt da Cia determinou ao Cmt do Pel. executar uma grande operação na cidade, com o objetivo de “demonstrar força”.

Foi um alvoroço total. Ninguém naquela cidade, até aquele dia, havia visto tanto PM na sua frente. Foi um corre-corre danado. Pessoas sendo presas por portarem canivetes, por estarem bebendo em boteco, por “vadiagem”(porque estavam sentados no banco da praça), por recusarem a se identificar, por mil e um outros motivos capitulados em nosso Código Penal, que, por sinal, havia apenas um exemplar deste livro na casa do Prefeito da cidade.

Para a população era o sinal do final dos tempos. Aproximadamente 50 pessoas foram presas naquela noite, creio que mais de 30% da população masculina, residente na área urbana do município.

O povo da cidade, com a simples visão de um carro cinza e branco, se apavorava fechando janelas e batendo portas, colocando crianças e velhos para dentro de casa.

Vendo tudo isso acontecer o Sr Graduado, agora colocado à margem de qualquer decisão, pois a situação fugira a seu controle, pensou:

- O que fiz?

No dia seguinte o Sr. Prefeito o procurou na Fração PM e de posse de um documento disse:

- Eis aqui a “rescisão” do nosso convênio. A partir de hoje os munícipes não irão mais arcar com as despesas do quartel, com a luz, água, papel, material de limpeza, etc.

Procurando manter sua pose de autoridade, o Sr. Graduado permaneceu impassível diante da afirmativa do Prefeito, mas preocupado com o que iria fazer sem o apoio da prefeitura.

No outro dia iniciou nova peregrinação até a sede do Pelotão, à procura de uma solução para a situação de sua Fração PM, que agora, se apresentava mais grave ainda.

Ao chegar à porta da sala do Cmt do Pelotão e ainda tirando o pó da estrada, este foi logo dizendo:

- Mais problemas não é Sr. Graduado???

Relatando o acontecido ao seu comandante este resolveu passar a questão ao Comandante da Cia, que por sua vez achou por bem comunicar ao Comandante do Batalhão.

Depois de tomar conhecimento de tudo o que ocorrera o Comandante do Batalhão resolveu:

- Não vamos mais aceitar qualquer ajuda daquele Prefeito. Avisa ao Comandante da Fração PM que, a partir de hoje, ele receberá o apoio logístico da sede do Batalhão!!!

Cumprida a ordem do Comandante e passados seis meses de sua visita ao Batalhão, a Fração PM não havia recebido uma folha sequer, para fazer uma escala de serviço.

Desesperado, procurou se comunicar com a sede através do único telefone da cidade que, aliás, funcionava apenas até às 18h00 e teve como resposta que a Unidade não recebia créditos já por muito tempo, portanto, o problema não tinha qualquer previsão para uma solução imediata.

Pensativo e andando pelas ruas da cidade, o Sr. Graduado percebeu que não era mais cumprimentado por ninguém. A população não o respeitava mais, apenas o temia.

“Sua” cidade já não era mais a mesma. A sede de sua Fração PM às vésperas de mudar, em razão de uma ação de despejo por falta de pagamento, movida pelo proprietário. Pelo menos estava com a cela repleta de infratores.

Os móveis daquela sua filha que iria se casar e que já não vai mais, deram lugar para os presos que se amontoavam a procura de um lugar para dormir.

A presença da Polícia Militar na cidade já não era um bem a ser preservado mas um mal necessário... os policiais militares não eram mais queridos e sim tolerados...

Porém, pelo menos, a Lei estava sendo cumprida e a ordem estava sendo mantida, às custas de anos e anos de um trabalho a favor do que hoje, batizamos com o nome de Polícia Comunitária que, neste caso, foi desconsiderada e jogada no chão.

Você conhece esta Fração PM?

Fim.

(*Estória adaptada do texto  "A GLÓRIA E A DECADÊNCIA DA POLÍCIA COMUNITÁRIA"  do Sr. Ten Cel PM Hélio Silva.)

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