sexta-feira, 23 de outubro de 2009

PEQUENO TRAFICANTE PODE TER DIREITO A PENA EM LIBERDADE

23/10/2009 - 00h00 (Outros - A Gazeta)
Daniella Zanotti
dzanotti@redegazeta.com.br
Maurílio Mendonça
mgomes@redegazeta.com.br


O governo federal quer que pequenos traficantes cumpram pena em liberdade. A proposta, que será apresentada ao Congresso até o fim do ano, poderá provocar mudanças profundas na lei antidrogas. A ideia do projeto é conceder penas alternativas para quem for flagrado pela polícia vendendo pequena quantidade de entorpecente, estiver desarmado e não tiver ligação comprovada com o crime organizado.


O governo considera que, com essa medida, será possível evitar que o réu primário seja cooptado pelas facções criminosas dentro dos presídios, além de permitir que a polícia concentre o trabalho de repressão nos grandes traficantes. Mas segundo o delegado Jordano Bruno Leite, da Delegacia de Tóxicos e Entorpecentes (Deten), a proposta não tem fundamento na prática, por diversas razões.


Fórum: O que você acha da proposta do governo de diminuir a pena para pequenos traficantes?


"A estratégia do traficante, seja ele pequeno, médio ou grande, é sempre carregar pequena quantidade de drogas para se esquivar da ação policial e ser enquadrado como usuário. Quem está nas ruas esconde a droga e o dinheiro em latas, buraco em parede", afirma.


Das mais de 500 pessoas que foram presas pela Deten, comercializando drogas em 2009, pelo menos 400 eram pequenos traficantes. "Não existe esse pequeno traficante de ocasião. Todos estão vinculados à organizações criminosas. Se ele está em um determinado local vendendo, é porque foi autorizado, e há toda uma estrutura que o protege", assinala Leite.


O secretário estadual de Segurança Pública, Rodney Rocha Miranda, também concorda que a medida poderia incentivar o crescimento do tráfico. Segundo ele, 70% dos assassinatos e grandes roubos e furtos que ocorrem no Estado são resultado do consumo e do tráfico de drogas. "Boa parte desses pequenos traficantes está envolvida com o crime para sustentar o vício. Roubam e matam para pagar dívidas. Acredito que esse é mais um passo para a descriminalização das drogas", ressalta.


O secretário também põe em xeque a questão da pequena quantidade de droga. "O delegado faz isso hoje com apoio da perícia, mas há muita subjetividade. Uma pessoa pode ser presa com meio quilo de maconha e dizer que é para consumo próprio, e as autoridades podem entender que ele precisa ser encaminhado para tratamento", diz.


A população opina

Brígida Chaves
50 anos, advogada

"Na minha opinião, a mudança tem que ser completa. Deve-se realizar um estudo sociológico e psicanalítico da sociedade, melhorar a educação. Não adianta mudar lei se não se oferece oportunidade a todos."

Aline Souza dos Santos
24 anos, copeira

"Entre soltar esses criminosos ou deixá-los presos, hoje eu acho que não faz muita diferença. Eles fazem o mesmo dentro ou fora da cadeira. O bom seria ocupá-los, presos ou não. Mas não é bem assim que funciona aqui."

Rafael Varejão
23 anos, estagiário de Direito

"Sou contra essa modificação. A lei não tem que favorecer o criminoso. Favorecendo, só aumenta a criminalidade. Já está difícil conseguir combater o crime de tráfico. E, no crime, aprende-se dentro ou fora da cadeia."

As penas alternativas
A realidade atual e o que o governo federal está propondo em relação a tráfico de drogas

Como é hoje
Punição. As diversas condutas relacionadas ao tráfico ilícito de drogas (importar, exportar, produzir, fabricar, adquirir, vender, guardar, transportar, etc) são punidas com uma pena de reclusão, de 5 a 15 anos, além de multa

Redução de pena. Para reús primários, com bons antecedentes e que não se dediquem a atividades criminosas, a pena pode ser reduzida de um sexto a dois terços. Nesses casos, a pena mínima será de 1 ano e 8 meses de reclusão

Pena alternativa. Não pode ser aplicada para o tráfico de drogas. A substituição de uma pena privativa da liberdade (reclusão, detenção ou prisão simples) por penas restritivas de direitos (prestação de serviços à comunidade, prestação pecuniária, interdição temporária de direitos, limitação de fim de semana, perda de bens e valores) só pode acontecer desde que a pena dada seja igual ou inferior a quatro anos de prisão

Liberdade provisória. Traficante que é preso não pode aguardar o processo em liberdade. Acusados de homicídio têm direito ao benefício

Estatística. No Espírito Santo, mais de 14,5 mil pessoas cumprem pena alternativa (em liberdade)


O QUE PODE MUDAR

Punição. O governo vai propor a possibilidade de pena alternativa para pequenos traficantes. Quem for flagrado vendendo pequena quantidade de droga, estiver desarmado e não tiver ligação comprovada com o crime organizado poderá cumprir a pena em liberdade

Objetivo. O governo quer evitar que o pequeno traficante se torne mais violento e seja cooptado, nos presídios, por facções criminosas. A intenção também é focar o trabalho da polícia na repressão dos grandes traficantes

Pena alternativa. Poderá ser concedida para quem receber pena igual ou inferior a 4 anos de prisão

Liberdade provisória. Outro ponto da lei antidrogas que pode ser alterado é o artigo que impede que pequenos traficantes aguardem em liberdade o julgamento


"USO DE DROGA CRESCEU APÓS LEI PARA USUÁRIO"

Após o presidente Lula ter sancionado a lei que garante penas alternativas para usuários e dependentes de drogas, em 2006, houve aumento do consumo de entorpecentes no Espírito Santo. Essa é a avaliação feita pelo secretário estadual de Segurança Pública, Rodney Rocha Miranda. "Sentimos nas ruas que, após a lei, houve crescimento do consumo de drogas, principalmente do crack. Foi um retrocesso. Antes, quem plantasse drogas para consumo próprio respondia por um crime inafiançável. Agora, não. As consequências dessa nova proposta serão tão negativas quanto a despenalização para o usuário", afirma.

A cada 10 presos, 3 são ligados a tráfico

As cadeias do Espírito Santo abrigam hoje 10.469 presos, sendo que 3.017 cumprem pena pelo crime de tráfico de entorpecentes. Isso quer dizer que, a cada dez presidiários, três possuem ligação direta com o comércio de drogas.

Segundo dados da Secretaria de Estado da Justiça (Sejus), entre os 9.378 homens internos do sistema carcerário, 23,7% foram presos pelo crime de tráfico. No que diz respeito ao sexo feminino, o índice é bem maior: do total de 1.091 mulheres presas no Estado, 72,6% têm envolvimento com entorpecentes.

A média de condenação dos presos que são acusados de cometer o crime é de dez a 15 anos, mas a Sejus não soube informar qual o número de pessoas que deixam a prisão sem cumprir a pena na totalidade, em casos especiais de redução da pena. Também não foram informados quantos presos são reús primários, já que esse seria um dos requisitos para a concessão da pena alternativa, conforme prevê a proposta do governo federal.

Avaliação
Carlos Eduardo Lemos
Juiz da Vara de Penas Alternativas

"Acho um equívoco de estratégia"

Titular há três anos da Vara de Penas e Medidas Alternativas (Vepema) de Vitória, o juiz Carlos Eduardo Ribeiro Lemos é enfático ao dar sua opinião sobre a proposta do governo federal em reduzir a punição a pequenos traficantes. "Acho um equívoco de estratégia." Para ele, esse traficante já faz parte de uma rede criminosa. "Facilitar mais a venda a varejo é facilitar a vida dos atacadistas do tráfico", afirma.

Pena alternativa para traficante funciona?
O pequeno traficante já faz parte de uma rede criminosa, mesmo que não conheça os seus chefes. Tenho certeza de que a medida só vai estimular a pulverização da venda.

Que crimes acabam em pena alternativa?
Os mais comuns são pequenos furtos, estelionatos, crimes de trânsito, pequenas lesões corporais e uso de drogas.

Quantos estão em pena alternativa no Estado?
Mais de 14,5 mil pessoas, sendo 12,5 mil na Grande Vitória. A melhor pena alternativa é a prestação de serviços à comunidade. E é mais barata: nela, o custo por preso é cerca de R$ 15,00 ao mês - na cadeia, é cerca de R$ 2 mil. Na prisão, há reincidência em 80% dos casos; e na prestação de serviços, em 1,6%.

Pode-se ter mais presos nessa situação?
Na Grande Vitória, 69,17% das penas aplicadas já são alternativas. Teríamos que repensar, com urgência, a estrutura da Vepema.

Maioria
72,6% das detentas
Essa é a porcentagem de presas no Estado que têm envolvimento com entorpecentes.

Análise
" É difícil definir o pequeno traficante
Israel Domingos Jorio
Advogado e professor de Direito Penal da FDV e da Escola Superior do Ministério Público

Se a possibilidade da substituição da pena privativa da liberdade por penas alternativas realmente se der somente em relação a condenados de pequena periculosidade, a medida se mostrará altamente produtiva. A grande dificuldade é estabelecer critérios para definir, com segurança, quem é o "pequeno traficante". A lei, com acerto, exige que se trate de indivíduo primário e de bons antecedentes, que não se dedique a atividades ilícitas e não faça parte de organizações criminosas. A prova da primariedade e dos bons antecedentes é direta, objetiva, mas o não envolvimento com outras práticas ilícitas e com organizações criminosas depende de uma investigação mais aprofundada. A pequena quantidade de droga apreendida não representa, por si só, critério confiável. Em suma, o benefício, se vier a ser realmente introduzido no ordenamento legal, só deve ser concedido diante da prova segura do preenchimento de todos os requisitos. Pois a medida, no fim das contas, deve atingir o "traficante acidental" ou o "traficante ocasional". Mas nunca deverá ser aplicada ao traficante profissional, ao empresário do tráfico, àquele que integra organização criminosa e se dedica a práticas criminosas.


2 comentários:

  1. Nota-se um aumento de presos pobres, um detalhe a mais a ser observado para classificar o grau do envolvimento no cruel e milionário comércio.

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  2. Cada vez mais jovens sem perspectivas de vida,lamentavelmente estão atrás das celas frias de um sistema que ñ funciona.Os grandes peixes do tráfico estão em suas coberturas e mansões.Deve haver uma mudança sim o pequeno ñ deve pagar pelos grandes,corte o mal pela raiz.

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